sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Chris Quintiliano: Conversa de uma mãe negra com seu filho ainda feto


Por: Assessoria do PPS
“Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. Eu tenho um sonho hoje!” – Martin Luther King
Todas as noites criei o hábito de cantar para meu filho que se desenvolve em meu útero. Às vezes me pergunto se terei o mesmo direito de amar meu filho como outras mães. Uma pergunta que parece sem sentido, mas será mesmo que não tem cabimento?
Essa noite me bateu uma tristeza. Esse banzo não vem do nada, como se as avós de minhas avós estribilhassem comigo nessa melodia triste que agora divido com meu filho, por ele carregar, antes mesmo de nascer o peso de ser negro. Isso mesmo, ser negro pesa e pesará por toda sua vida. Eu como mãe, com meus instintos de proteção, me sinto impotente perante a condescendência de um povo fraterno e sem racismo como o brasileiro. Sem racismo quando adjetiva um cabelo liso de “cabelo bom” ou quando se posiciona contra o racismo por ter “amigos negros”. Me pergunto, como explicar a uma criança porque ela não nasceu com cabelo bom e em sua lógica infantil, ainda inocente perante o mundo e a vida, qual associação fará, visto que se seu cabelo não é bom, será então, por consequência, ruim. Uma criança se entender como ruim, qual efeito psicológico acarretará pelo resto de sua vida? Provavelmente, como milhões de crianças pelo Brasil, ou bilhões pelo mundo, sentirá um peso de inferioridade perante as que nascem com características boas.
Mas talvez eu me preocupe à toa, pois uma amiga me ensinou uma simpatia ótima, para que ele nasça com o cabelo liso do pai. Afinal, entre as características da negritude há o cabelo duro e o nariz largo, se sua pele for clara o suficiente, o cabelo liso e o nariz mais fino, talvez ele passe como branco, e quem sabe, seja parado em blitz policiais menos vezes, ou tenha mais chances de sobreviver à violência. Pois ser negro não é ter pele escura, cabelo crespo, nariz largo e lábios protuberante, ser negro significa também ganhar 57% do salário de um equivalente branco, ter 3,7 vezes mais chances de ser assassinado, duas vezes mais chances de exercer trabalho infantil, três vezes mais chances de ser parado em abordagem policial, segundo dados do UNICEF.
Afinal, o que é racismo e onde se esconde no fundo da alma de todo um povo o qual não o admite e até mesmo o condena? Será o racismo apertar a bolsa contra o corpo ao cruzar na rua com um jovem negro? Bloquear a porta giratória do banco ou seguir um jovem negro pelo shopping? Gritar crioulo ao calor de uma discussão ou até mesmo “macaco”?
Pensando em como tratar a questão com esse pequeno ser que cresce dentro de mim, busco nas peças, filmes ou até mesmo livros infantis, quantos têm heróis negros. Dos que têm, quantos não são etnográficos, ou seja, heróis negros pré-civilizados nas savanas da África ou escravos mal tratados e passivamente bondosos. Se essas histórias serão vetores através dos quais ele irá adquirir valores da sociedade em qual está inserido, irá trabalhar seus arquétipos, quais padrões ele terá como belo ou bom? Quem serão seus heróis?
Após toda uma infância bombardeado por príncipes e princesas loiros ou ruivos. Contextualizados em castelos magníficos, em reinos encantados. Dotados de coragem e bondade. Capacidade de superar desafios e enfrentar seus medos, de vencer o mal. Comparados a personagens negros fragilizados, como escravos mal tratados, ou inseridos em selvas. Muitas vezes a depender de amigos brancos mais fortes para defende-los e ensinar-lhes, como querer que ao se olhar no espelho ele se veja negro, belo e capaz?
Como toda mãe, temo pelo que o futuro reserva ao meu filho. Claro que esse medo não é exclusividade de uma negra. Tenho a curiosidade imensa de ver como ele será. Mas além desses temores maternos, me invade, esse meu banzo ancestral. Toda a carga de questões as quais abordei e o temor de povos, mães e pais. Aqueles que me antecederam neste mundo com seus cantos de tristeza e suas dores. Mas também sua força que me inspira a lutar por criar meu filho como um grande cidadão, para que o sonho de Luther King esteja ao seu.

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